Zack Fucking Murdock - PC

Um dia infernal de um mês qualquer. Quarto de um motel barato, Flórida, 2015.

- Cê sabe o pior de toda essa merda? Não tinha bebida no tribunal.

Um soco no frigobar ao lado da cama, na tentativa e acordar a ouvinte.

- Acorda, porra! Eu to falando. Onde eu estava? Sim claro...o maldito tribunal.

Um longo gole, no gargalo, da garrafa de um whisky barato qualquer.

- Que fique claro. Gene Simons é um filho da puta, mas um desgraçado inteligente. E foi por isso que eu acabei aqui nessa espelunca, com você. Sim, foi um insulto, sua besta.

- O  ano era 199...e alguma coisa, os idiotas pintados lançaram um álbum foda, voltaram a origem do Hard Rock e heavy metal que fizeram deles os maiores comedores de menininhas dessa merda de planeta. Unholy. Do caralho.

Mais um largo gole e uma olhada para o lado, para confirmar que ela ainda o ouvia.

- E aí eu era um garoto bobão, um guitarrista já virtuoso. Tocava até os dedos sangrarem, é, como algumas gurias fazem na puberdade. Encontrei outros sonhadores babacas e formamos uma banda: Hellhounds. Botamos para fuder no primeiro ano.

- É caralho! Tô falando sério porra, não ria disso se quiser manter os dentes. Nossa música tocou em todas as rádios, estouramos. Nem mesmo o painkiller do Judas ou o Land of the Free do gamaray nos superou. E olhe que os 90 foram fodas, não tanto quanto os 80, mas foram assim mesmo...tiveram os palhaços da América, você sabe, o lance do Grunge. Mas bandas como Helloween e Iron ainda estavam lançando coisas fodas. Dio tava vivo porra! Só isso diz muito.

Outro gole, mais para molhar a garganta do que amenizar as mágoas. Já tinha passado dessa fase.

- O que to querendo dizer, Ashley, é que o Hellhounds estourou. Bleed for me  e 13 years of grief tocaram nas rádios mais do que  Cowboys From Hell, e o Pantera era foda, eu admito. Éramos rockstars. Me droguei pra caralho, comi mulher pra caralho, engravidei duas. Não me arrependo, uma desapareceu e a outra me deu a Betsy, minha linda Betsy. E to me fudendo a noite nesse buraco por ela, também. Mas disso não me arrependo.

- Os anos foram passando, e as músicas mudando. Sabe? Surgiram umas porras de pop, umas menininhas cantando qualquer merda sobre maquiagem e medo de chupar piroca, e uns moleques formando bandinhas e cantando pior do que as meninas, com a diferença que eles não tinham medo de chupar piroca. Bando de viadinho.

Abre o frigobar e nota apenas uma barata circulando pelo aparelho vazio que pouco resfria e uma lata de coca cola. Já havia bebido todo o resto disponível.

- Puta que pariu...

Bate a porta com força suficiente para quebrá-la.

- Nossa fama passou, os Hellhounds caíram. Tocávamos agora onde ninguém mais queria, recebíamos em cocaína batizada e cheirávamos antes do próximo show. Estavamos fudidos. Cê tá ouvindo porra!?

Ergue a cabeça da mulher do travesseiro pelos cabelos.

- Dorme pra caralho...tô me fudendo pra isso. Tínhamos que ganhar a vida, tocávamos por aí, bares, casas de show pequenas. Até em programas sensacionalistas no Brasil nós fomos, uma porra de um gordo filho da puta que não me deixava falar. Mandei se fuder ao vivo, três vezes. Foi foda aquele dia.

Gargalha.

- Mas eu tava falando de quando me fudi, pra valer, não foi guria? Isso foi há dois anos. 2013, ano das bocetas mais cabeludas que já encontrei. Sem ofensa. Eu tava mais fudido de grana do que agora, se você me entende. E aí me veio uma idéia, a idéia que acabou com a porra do resto da minha vida:
Vou regravar Unholy e recriar o Hellhounds, como os pintados desgraçados fizeram!...

- Aí tudo fudeu. Não tinham se passado os malditos vinte anos que liberam o caralho da música dos direitos autorais. E você sabe, teve aquela vez que eu bati no Simons até ele precisar fazer cirurgia no nariz. Duas cirurgias. Ele já guardava um rancor por mim.

- E se tem algo que aqueles bastardos boyolas de cara pintada sabem fazer é usar o marketing. Se aproveitaram que eu regravei e estourou em todas as paradas na minha voz e com a formação original dos Hellhounds e o que fizeram!?

Lambe a boca da garrafa em busca de um último gole.

- Contrataram dezenas de filhos da puta engravatados. Advogados. Foram para a mídia, jornais, revistas, Oprha, a porra toda. Me fuderam e se promoveram. Vão tocar até no Monsters do Brasil esse ano. Brasil de novo, é eu sei, gostei das mulatas. Bom, como resultado eu sou obrigado a pagar absurdos de dinheiro aos caras em um milhão de parcelas pelo resto da minha miserável vida.

- Tô fudido. Os hellhounds tocam de novo em tudo quanto é bosta, entra grana mas eu nem vejo. Mal posso pagar essa porra de bebida. Sim porra! Vou lhe pagar, fique tranqüila. Pago por aquilo que como.

- Malditos direitos autorais, me fuderam. Mas vou te dizer, aqueles desgraçados ainda vão ouvir o nome de Murdock por aí. Eu toquei com Ozzy porra, fiz duetos com Slash, gravei até com a porra do Jimi Page, não vou morrer nesse quarto fedido. Sem ofensa, de novo.

Levanta-se da cama pesadamente, veste a calça, uma camisa dos Hellhounds e um colete de couro.

-  Anoiteceu, vou tocar nas docas hoje. Aparece por lá se conseguir caminhar.

Gargalha.

- Hellhounds na estrada, Murdock na noite. A porra da vida continua, não é? Que se foda essa merda, vamos colocar as docas no inferno essa noite.

Acende um cigarro e tira dólares amassados do bolso. Joga o dinheiro sobre o corpo da prostituta barata, Ashley, a quem recorre sempre que toca na Flórida. A noite começava e um show sempre tem que continuar, não importa se alguém precisar morrer para isso.
Se houver uma bebida para se tomar e uma garota para foder, lá estará Zack Murdock. Guitarrista e vocalista do Hellhounds.