Prelúdio Irmão Bruin - Os Ombros que sustentarão a Montanha

*Os peixes pareciam ficar mais e mais espertos, como que se as gerações que tivessem sobrevivido soubessem do gosto do urso por peixe, e com isso houvessem desenvolvido os melhores truques de fuga.

E era esse desafio da caçada que empolgava tanto Ombros da Montanha. Seu tamanho imenso ainda escondiam um coração juvenil, e o Arcas encontrava um prazer enorme nessa atividade simples, ainda mais na forma de humano, que apresentava tantos desafios novos.

Após uma investida com as mãos nuas, Bruin escorrega nas pedras molhadas e cai, fazendo não só um enorme estardalhaço, como eliminando qualquer chance de comer peixe naquela manhã. É nessa posição, sentado em meio a água corrente e rindo do seu próprio erro, que vê seu adorado Buri-Jaan se aproximando em sua direção.*

Mestre! Não podia imaginar o quão divertido seria pescar nessa forma rosada e sem pelos!

Sorriu ternamente ao ver um de seus pupilos despejando jovialidade. A cena serviu apenas para tornar o momento mais difícil para o velho Matae. Sorriu e o disse.

- O peixe é esguio, Bruin, seus movimentos são instintivos e precisos. Terá que prevê-los, e mais, aprender com eles. Veja como um simples peixe conseguiu deixar ao chão um grande Gurahl.

Foram anos de dedicados ao ensino, que em muitas oportunidades mostrou-se um aprendizado, do jovem Arcas. Havia provado sua sabedoria e sua facilidade em aprender, mas principalmente demonstrou pureza no coração e sensibilidade aos problemas daqueles que o rodeiam, era sem dúvidas, seu mais promissor aluno.

Inevitavel como o fluxo do grande rio, o Gallivant teria sua continuidade e o jovem Urso deveria migrar, o local de destino precisaria de seu valoroso auxílio e uma troca de experiências seria engrandecedora para todos os envolvidos.

- Jovem, me acompanhe, sua jornada sofrerá uma mudança de ventos.

O Ancião se pôs a caminhar em direção à uma fogueira no centro do vilarejo

O velho mestre senta-se à beira da fogueira, observa as chamas por alguns segundos e convida seu pupilo a compartilhar do calor que ela emana.

Em seguida, pega algumas folhas secas e as joga na fogueira, rapidamente elas incandescem e desaparecem em cinzas.

- Veja, Bruin. Um local é fugaz para a vida Gurahl, aprendamos com essas folhas. Rapidamente se extinguem nas chamas, mas não deixam de existir.

O Matae coloca a mão dentro da fogueira e pega as cinzas, com as palmas nuas, não esboçava dor ou sinais de queimadura, parecia dominar o fogo à sua frente. Com as cinzas em mãos, continua.

- Ao se tornarem cinzas, viajam pelo vento e repousam em outras terras, se unindo ao solo e no tempo próprio renascendo como novas frondosas árvores, ou ainda servirão de alimento para que outras árvores floresçam.

- E assim somos nós, filhos do Urso e da mãe Gaia.

O olhou com um certo pesar

- Seu tempo aqui, se tornou cinzas.

Aos poucos, sua expressão voltou a calmaria e a paz que lhe caracterizam

- Chegou a hora de ser levado pelo vento e servir de alimento para que outros, e você mesmo, floresça e aprenda sobre o mundo e sobre o seu próprio interior. Seu destino será uma terra distante, onde um velho amigo o aguarda.

Antes de prosseguir, deu tempo para que o jovem Gurahl pudesse digerir as informações.

O mestre sorriu. O jovem Arcas demonstrava sabedoria ao levantar questionamentos naturais de sua iminente partida. Com o dedo indicador de uma das mãos, riscava a terra úmida desenhando algo.

- O medo é bom, aprendiz, a falta dele nos causou estragos irreparáveis em tempos imemoriais.

- Tuas palavras respondem teus próprios questionamentos, Bruin. Precisamos curar o mundo. Isso inclui os inimigos da grande mãe.

Seu olhar era fixo no desenho que começava a tomar forma no chão molhado e repleto de pequenas pedras escuras oriundas das margens do rio.

- São tempos sombrios, filho. A guerra da fúria não foi um evento catastrófico, ela ainda o é. Os filhos dos lobos, embora dominem as florestas, estão separados, desunidos e imersos no interior das matas como animais selvagens sem propósito definido.

- Àqueles que se misturam aos homens, os chamados Sentinelas, se perdem em sua cultura e passam a dedicar-se ao mundano, à ganância e às posses. Os Roedores seguem parte desse preceito, se contentando em coexistir nos vilarejos.

- As feras, agora escassas e dispersas, contam-nos ainda mais sobre um futuro negro. Temíveis filhos dos ratos espalham-se como pragas, e disseminando pragas. Os impiedosos Ananasi se dividem entre as grandes florestas e a podridão localizada nos vilarejos humanos, devorando-os, sugando seu sangue como uma vez o conflito entre os metamorfos sugaram a alma da própria Gaia.

- A queda dos Uivadores foi um duro golpe no orgulho dos lobos.

- Compreenda, Bruin...

Levantou o olhar em direção ao jovem Ursus

- ...Não houve uma temível Guerra. Há uma deplorável Guerra da Fúria. Apenas estamos em outro momento mais sutil, e por isso, mais perigoso.

Abaixando a cabeça, mostra os desenhos feitos na terra. Nele era possível ver um grande círculo, com rabiscos em forma de árvores o circundando, uma grande pedra em forma de lobo no centro e a inscrição: Garras Vermelhas, logo após a pedra.

- Há inimigos por toda a parte, há inimigos dentro dos nossos próprios pensamentos e há poucos aliados. O caminho que seguirá a partir de agora será tortuoso, Bruin e o medo será tão importante quando seu instinto de sobrevivência.

Com o dedo indicador apontou o centro do desenho

- Esta clareira é situada na Floresta de Greenwich, que rodeia a cidade humana chamada Bristol. Deverá visitá-la e encontrar um importante aliado. Seu nome é Dentes-do-Abismo, um garou de importância crucial para nossa infindável batalha contra a corruptora e nossa última esperança em terras Bretãs.

- Este local costumava ser um dos últimos santuários existentes para Garous e Feras, caiu em desgraça e precisa ser reerguido, com força e sabedoria. Tua presença fará parte da renovação deste ciclo, de seu próprio Gallivant e da definição do futuro de nosso povo naquelas terras.

O observou após suas palavras, eram informações em demasia, mas o tempo corria contra as necessidades urgentes da reestruturação do Santuário.

Bruin Ombros da Montanha escreveu:*Bruin pega um punhado de terra úmida com as mãos e cheira, absorvendo os odores da natureza. Depois, começa distraidamente a mexer na terra em suas mãos, enquanto pensa nas palavras de sej mestre.*


O senhor... me mandaria de encontro a um Garou, mestre?

O semblante do mestre era calmo, compreensivo, sabedoria emanava de sua figura com uma naturalidade absurda.

- Gaia nos envia para o local ou ao encontro daqueles que precisamos ir ou conhecer, Bruin.

Levantou-se e se pôs a caminhar em direção à floresta.

- Me acompanhe.

Caminhando por entre as árvores, floresta adentro, o guia e ancião continua.

- A Bretanha é um reino perigoso, meu filho. Bristol, para onde irá, fervilha em crescimento, oportunidades e mentes maliciosas que visam o poder. Há poucos que não desejam terras, bens e sevos. Há muitos que matariam para obtê-los.

O Gurahl chega a uma clareira, na qual uma grande pedra se encontra, sentando-se nela, continua.

- Dentes-do-Abismo, assim como eu, é um ancião de seu povo. Acumula sabedoria, a seu modo. É um dos mais ferozes e decididos garous que eu pude conhecer em meus anos de andanças. No entanto, ainda assim, é o mais confiável que encontrei.

- Ele será o elo e o líder na reconstrução do santuário. E é seu dever segui-lo e ajudá-lo no processo.

Levanta-se, pega alguns gravetos espalhados pela clareira e os entrega a Bruin.

- Alimente a fogueira para a noite que se aproxima, despeça-se de seus companheiros, da floresta e do grande rio. Partirá assim que o novo sol nascer.

Bruin levanta seu corpo maciço e segue seu mestre, depois de espanar a poeira de seu hábito simples. Ele anda a alguns passos atrás do Gurahl mais velho, ouvindo em silêncio. Dois ouvidos e uma boca, o Renovador sempre costuma dizer, embora fosse uma lição que Bruin nem sempre obedecesse.*

Terras, bens e servos, Buri-Jaan? Essas coisas significam pouco ou nada para mim. Até os humanos, quando me vêem, acham que sou um de seus frades que não podem ter nada, e eu fico feliz com isso. Eu só espero... espero me dar bem com esse Dentes do Abismo. Espero que possa ajudá-lo...

*Bruin olha para os gravetos em sua mão, e depois para a floresta, lentamente tomada pelo crepúsculo, até que algo brota em sua mente.*

Bretanha! É a terra do Rei-Urso Arturus, não é, Buri-Jaan? A ilha ao norte onde os humanos eliminaram os ursos?

...

Acho que é um lugar de grandes riscos e grandes oportunidades... Me perdoe, mestre, mas já sei o que fazer durante a noite.

*Bruin continua olhando a floresta, perdido. Voltando pelo caminho que havia seguido com seu mestre, o jovem alimenta a fogueira, garantindo o calor para qualquer um que por ali passasse. Feito isso, ele assume sua forma nativa de urso, e corre na direção das profundezas de sua floresta natal, disposto a passar uma última noite no lugar onde nasceu, entre sua espécie e os rios que tanto amava. Havia percebido que aquela podia ser a última vez que podia se dar esse luxo.

*O que quer que fosse a criatura que o está espreitando, era claramente um inimigo, e um inimigo perigoso. Ainda de pé nas patas traseiras, Bruin decide se transformar, adotando sua forma de guerra. O tamanho do homem urso começa a aumentar ainda mais, até atingir as copas das árvores menores. Firmando suas pernas, grossas como troncos no chão, o Gurahl lança um desafio. Era difícil falar palavras humanas nessa forma, mas com uma palavra de cada vez, ele conseguia realizar o esforço.*

...

A...Apareça!

*A criatura, o que quer que fosse, não era algo que pudesse ser caçado e enfrentado. Estava, até onde Bruin podia perceber, invisível e indetectável. Se ela optasse por um ataque furtivo, que seja, Gurahl não são criaturas facilmente abatidas; por ora, ela parecia querer conversar.*

*Vendo a necessidade que tinha de usar palavras humanas, Bruin "desce" para sua forma Arthren, a de um homem imenso e peludo, mas ainda humanoide. Ajoelhando e, com uma ternura desproporcional para seu tamanho, o Gurahl acaricia o cervo morto, atentando para seu pescoço. Depois de observar o pobre animal, o gigante se levanta. As palavras saíam normalmente agora, embora sua voz fosse bastante gutural.*

Isso foi uma coisa cruel, estranha. Cruel e mesquinha. Não duvido que suas intenções também sejam assim.

A vegetação ondulava cada vez mais, movimentando-se como se algo passasse por ela. A voz, incômoda e rouca, ecoava pela floresta.

- Esta forma de agir os levarão a extinção, jovem Gurahl. Há mais no mundo do que você conseguiria curar. O mais apto abate sua presa.

- Assim o é, e assim sempre será.

Das sombras, uma imensa serpente surge. Seu corpo era gigantesco, sua cabeça era maior que o tronco do ursus, mesmo em sua forma Arthren. Suas escamas eram negras e verdes em um tom muito escuro.

Arrastou-se abrindo espaço pela vegetação, seu corpo era imenso, seus olhos amarelos com uma faixa negra eram aterradores. Fitava o urso enquanto se aproximava. A voz rouca ganhou uma forma assustadora.

- Cruel? Este é meu papel neste mundo, Bruin, aprendiz do sábio Renovador.

Enquanto se aproximava frontalmente, seu grande corpo fazia uma curva e sua cauda já estava ao lado do Gurahl.

- E Tu, jovem Urso, sabes o teu propósito?

*Enfim a criatura ganha forma, e que forma aterradora era esta! Ainda assim, Bruin se esforça para manter o controle, e olha a serpente gigantesca nos olhos. Algumas lutas eram travadas não pela força dos braços, mas pela força de vontade.*

Esse pensamento pode mesmo nos levar à extinção. E por que não? Isso já quase aconteceu uma vez. Mas nós sobrevivemos, e podemos ser raros, mas somos incansáveis.

O mundo é de presas e predadores. Mas matar assim, com essa arrogância? Sem nenhum propósito? É cruel, não importa quem cometa o ato.

*O Gurahl olha a cauda da serpente passando ao seu lado com um certo nervosismo, mas continua lhe encarando, e continua a conversa.*

Meu propósito é carregar os ferimentos do mundo, como ensinado pela Ursa Maior e pela Mãe Gaia. Meu propósito é estar presente onde houver dor e sofrimento.

Meu propósito é a vida. O seu é a morte. E a morte é o território da Quebradora do Padrão. Então se identifique, cobra!

A imensa serpente parecia ignorar o corpo grande e bruto do Gurahl, sua cauda passa a poucos centímetros dele, quase o tocando, enquanto sua cabeça se aproxima do cervo abatido.

- Me interpretas mal, filho do urso. Ousas crer que destruir o padrão e ter a essência maculada é a função da minha existência?

Abre a imensa boca, duplicando seu maxilar de tamanho, se preparava para engolir o pobre animal retorcido ao chão.

- Como disse-lhe, estou com fome, estou sempre com fome. Fui cortês ao oferecer-lhe minha presa.

Se pôs a engolir o grande animal e o fez, ao contrário da maioria das serpentes, rapidamente. Era impressionante a velocidade e a facilidade que conseguia engolir um cervo inteiro em poucos segundos.

- Assim como você, busco o equilíbrio do mundo. E por isso estou aqui, Bruin, Ombros da Montanha, pupilo do Urso Renovador de Ciclos. Para enxergar seu coração e avaliar sua utilidade fora destas terras.

*A criatura, o que quer que fosse, estava atiçando a curiosidade do Lua Nova. Ele observa com um certo fascínio a serpente devorar o cervo, e escuta suas palavras com atenção. Depois de pensar um pouco, se senta no chão, de pernas cruzadas e na sua forma Hominídea.*

Talvez eu tenha te interpretado mal. Talvez eu tenha simplesmente me esquecido das lições mais antigas.

Quebrar o padrão da Tapeçaria, por si só, não é algo ruim. A morte sempre abre espaço para novas vidas, e nós os Gurahl sempre pensamos no ciclo da vida e da morte.

Se você está com fome, mata e sacia seu apetite. Eu entendo a fome, e sei que nem sempre a barriga se enche do jeito que a gente quer.

*Com uma risada, Bruin dá um tapa na barriga avantajada.*

Não vou ficar entre você e sua presa, serpente, e agradeço a oferta.

Minha fome agora é outra. Sinto curiosidade. O que meu coração mostra a você, afinal?

A imensa serpente começa a se enrolar, vagarosamente, sobre o próprio corpo. A criatura desta forma parece ainda maior e mais assustadora, ganha em altura, ficando acima do Gurahl. No entanto, sua cabeça se desloca para frente aproximando-se, parecia curiosa, não demonstrava interesse em atacar.

- Saibas, Gurahl, que nossa conversa poderá resultar em duas situações. Na primeira, tu serás devorado e se tornará parte do ciclo deste local. Na segunda, te abençoarei e presentearei com algo de grande relevância para sua viagem.

A serpente sibilava, talvez fosse sua forma tenebrosa de sorrir.

- No momento, não tenho interesse em devorá-lo. Tua inocência, mas ao mesmo tempo, convicção, me fazem querer ouví-lo. Conte-me mais sobre teus aprendizados e sobre tua partida vindoura.

Estranhamente, todos os outros animais, insetos e pássaros mantinham absoluto silêncio, embora fosse possível ver um ou outro passando ao longe na escura floresta. Pareciam não somente temer, mas respeitar a entidade que trocava palavras com o urso.

*Sentado, o Gurahl observa a serpente se aproximando. As palavras dela estão longe de serem um conforto, mas ao menos indicavam que a conversa, por ora, era o caminho certo.*

Você então gostaria de ouvir sobre todo o meu último ano de vida, serpente.

Quando descobri que tinha mais peles do que as que eu nasci, o mestre Renovador me acolheu. O que aconteceu é o que meu povo chama de Gallivant, quando um Gurahl toma um filhote sob sua proteção e age como seu professor durante seu primeiro ano.

Avô Renovador, meu Buri-Jaan, é um mestre bondoso, sábio e gentil. Ele me acolheu quando estava assustado com as transformações que sofria. Ele me ensinou sobre o que eu era, sobre a guerra em que todos nós estamos envolvidos, me ensinou a curar, seja com a ajuda dos espíritos ou com os frutos que a Mãe nos dá, me ensinou a lutar para proteger o que é bom, me ensinou sobre nossa história e, acima de tudo, sobre o nosso dever. Sobre como devemos curar e proteger o mundo, e como somos poucos para isso.

Ele me ensinou o Código de Ursa, regras para uma vida digna e saudável para um Gurahl:

Apreciar os Filhotes, porque somos raros, e o nascimento de cada um de nós é uma benção. É por isso que os jovens, como eu, são abençoados pela Lua Nova. Devemos explorar o mundo, descobrir coisas novas e nos divertir e apreciar as belezas que podemos, porque é uma fase da vida, segundo meu Buri-Jaan, que não dura.

Cure o Enfermo, porque é para isso que existimos. Já te disse antes que nós suportamos os ferimentos do mundo, é porque somos seus curandeiros e cuidadores.

Nutra o Necessitado, porque é nosso papel como curandeiros. Aonde houver alguém precisando de conforto, é dever de um Gurahl estar lá.

Ensine ao Suplicante, porque apesar de eu ser jovem, todos os Gurahl são professores e mentores em algum ponto da vida. Devemos sempre ensinar a quem quer saber, desde que o ensinamento beneficie o aluno. Acho que é o que eu estou fazendo com você agora.

Procrie com Sabedoria, porque os perigos no mundo são muitos, e por isso devemos acasalar bem, para ter os melhores filhotes.

Purifique o Maculado, porque nós não curamos só os ferimentos do corpo, como também os do espírito.

Guarde os segredos, porque há coisas dentre os Gurahl que a Mãe confiou apenas a nós, e assim deve continuar até que ela decida o contrário.

Pelos Direitos do Ancião, porque os nossos mais velhos são sábios, e da mesma maneira que eles nos protegem, nós os respeitamos.

Lembre-se de sua História, porque temos um passado rico, e nossa história é nosso sangue. Na nossa História estão nossos conhecimentos e nossa sabedoria.

Puna o culpado, porque toda a dor que está presente no mundo tem seus culpados, e se eles andarem impunes, não haverá esperança.

E por fim Vingue a Morte Injusta, o motivo de eu ter brigado com você antes. Toda morte deve seguir um propósito. Matar simplesmente porque se tem o poder é um ato de crueldade e fere a todo mundo.

Estes são os ensinamentos que carrego, serpente. Com eles, devo viajar a uma terra distante para tentar resgatar uma chama frágil num mundo cada vez mais escuro.

* A serpente  observava e ouvia atenta as palavras do jovem urso, parecia satisfeita, embora seu olhar continuasse amedrontador.*

- Não resssta dúvidas que aprendeu o sssuficiente do velho Renovador. Falta pouco para que minhas expectativas sssejam alcançadasss.

* Moveu-se lentamente descendo do próprio corpo, que estava enrolado, e rastejou circulando o Gurahl*

- Perguntarei-te-ei uma sssó vezzz...penssse com cautela filhote de Urssso. O devorarei ou o abençoarei agora.

* Seu enorme corpo circulava completamente Bruin, dando duas voltas e ainda sobrando cauda, devido a seu colossal tamanho. Com a cabeça de frente para Ombros-da-Montanha e com a grande língua quase tocando sua face, concluiu.*

- Irásss à Brissstol, e lá encontrará um poderosso aliado, terás em suass mãos a vida de um amigo, conheceráss a morte e decidiráss entre a sobrevivência de doiss povos. Responda-me, como tu, jovem urso, decidiráss o que fazer em cada uma das decisões?

*Ainda em Hominídeo, Bruin observa a serpente rodeá-lo. Ele estava apavorado, mas, curiosamente, estar no olho do furacão, por assim dizer, lhe preenchia com uma calma que o jovem Gurahl não sabia que possuia.*

Você não mostrou as escolhas para pesar, serpente, mas acho que não preciso delas. Escolho pela vida do amigo, por encarar a morte com dignidade e para que os dois povos sobrevivam. Não há muito mais em mim do que isso.

* Desfez o círculo formado por seu corpo em volta do Gurahl, lentamente*

- Tua inocência o manterá vivo, esssta noite, jovem Urssso. Ass opções lhe serão mosstradas no tempo certo, não possso enxergar além de tuass escolhas.

- Lembre-sssse de tuas próprias palavrass nesta noite, o esstarei observando e zelando por ssua conduta. O cobrarei caso o vazio seja o significado das palavrass ditas nesta clareira.

* De frente para o Urso, começou a abrir a imensa boca, sua mandíbula duplicava de tamanho. O engoliria após tais palavras?...

Em verdade, a cobra regurgitava e algo saía de sua boca lentamente, até cair aos pés do Urso, embebida em uma gosma branca. Tratava-se de um manto, uma espécie de roupa humana, feita com uma pele de cobra rajada em verde e preto.  

- Usse-a. E carregue contigo a minha benção.

*Bruin solta um suspiro aliviado. No final das contas, sua própria natureza o salvou.*

Eu não sei se minha conduta mudaria, serpente. Eu sou uma criatura simples, e pretendo continuar assim. Mas obrigado... eu acho.

*No mais, sua juventude leva a melhor sobre o Gurahl, e ele observa o manto com curiosidade. "Nojo" era um conceito humano, afinal. Empolgado, ele estica o manto rajado, e começa a cheirá-lo, antes de se lembrar que essa forma rosada possuía um nariz tão fraco...*


Eu gostei!

...

O que é?

* Observava o urso, estava nitidamente livre de intenções assassinas, rastejava lentamente por cima do próprio corpo, enrolando-se, enquanto falava.

- Esssta é a Essscama da vida, Gurahl. Feita do meu próprio corpo.

* Abaixou a cabeça a encostando no chão, próxima da ponta do item segurado por Bruin.

- Coloque-a sobre um corpo sem vida e terá acesssso direto ao espírito que o habitou. Poderássss falar e aprender com osss que já cruzaram a barreira da exissstência. Além disso, em muitoss anos, creio que tu seráss o único capazzz de usá-la.

* Ergue a cabeça novamente, ficando da altura do jovem urso.

- Sse o usuário possuir um coração puro e intenções nobres, poderá trocar a própria vida por uma que ssse foi. Seráss capaz de ressusssscitar  qualquer criatura que esssteve viva durante o último ciclo lunar, ao cussto de sua própria exisstência.


- Essteja avisado Gurahl, carregass uma parte de mim, o cobrarei caso falhess em usá-la corretamente. Agora vá, partiráss cedo e tenho grandess expectativass em ti, curandeiro.

* Manteve-se enrolada no próprio corpo, era imensa, apesar de calma continuava assustadora.

Escama da Vida - Fetiche nível 5:

*Bruin continua observando com interesse o fetiche, e depois volta seus olhos para a serpente. Algo nela o lembrava seu Totem, Mangi, o Urso da Morte, só que muito mais impiedoso.*

É um presente muito nobre, e eu vou usá-lo da melhor maneira possível.

Mas antes... O que é você afinal, serpente?

* Olha o urso com interesse, sua curiosidade o levaria longe.

- O que sssou exige uma compreensão absoluta das forçasss da existência, Bruin Ombros- da - Montanha, masss tua capacidade de procurar o bem e exercer o correto me incitam a lhe explicar, e para além disso, convencê-lo de que ser apenas bom não é sssuficiente.

* A imensa cobra direciona seu olhar para o chão de barro coberto por vegetação baixa, no centro da clareira a qual estão. Logo em seguida surge, brotando do chão, uma poça d'água límpida como o leito do grande rio.

A poça começa a tremular e através dela algumas cores começam a tomar forma, uma azul cintilante e outra negra. Os olhos da Serpente fixam-se na água por alguns segundos, em silêncio contemplativo. Em seguida começa a falar.

- Primordialmente, a força exissstencial conhecida como Wyrm não era inteiramente dessstrutiva, maculada. Ela possssuía, e ainda posssui, um papel fundamental no equilíbrio das forças criativasss da Wyld e das teias da Weaver. Eventos ancestraiss desessstabilizaram o equilíbrio e as energias mesclaram-se, sssepararam-se e por fim começaram a destruir umas as outrass. Sobretudo a Wyrm passou desenfreadamente a devorar, sem nunca saciar sua fome.

* Na poça, as luzes misturavam-se formando um único borrão negro.

- Eu sssou a criação e a dessstruição.

* A água refletia agora duas cores, uma azul cintilante com bordas negras e outra negra com bordas em azul cintilante.


- Eu sou a Wyrm, masss também sou a Wyld. No princípio, quando as energiasss se chocaram, a criação poderosssa da wyrm tomou a forma de energia pura e foi parcialmente engolida pela Wyrm, o produto do choque dasss duasss, é minha exissstência.


- Essstou sssempre com fome Gurahl, a fome da destruição mas também a insssaciável sede da criação.

- Por issso aprenda enquanto há tempo, o equilíbrio é tênue e frágil. Nada é inteiramente bom e nada é absssolutamente mau. Sejass o equilíbrio onde esstiveress.

* A serpente começava a ficar translúcida, como se desaparecesse assim como surgiu, inesperadamente.

- Agora vá, e lembre-ssse que A Devoradora acompanha tua jornada.

* Observa seu estimado aprendiz acordar, sorrindo. Em sua mão há um papel enrolado em forma de pergaminho.

- Aparentemente a noite na floresta foi renovadora, Bruin.

*O urso acorda lentamente, piscando os olhos pesados de sono, até que vê seu mestre de pé próximo a ele, quando termina de se levantar.*

Renovador? Acho que foi mais... esclarecedor, mestre.

*Bruin volta para sua forma Hominídea, a fim de descobrir se o manto que recebeu da Devoradora ainda estava lá. Ao perceber que sim, o Gurahl aperta as mãos no manto de pele de cobra.*

Eu recebi uma visão... ou visita, não sei ao certo. Parece que alguém ou alguma coisa tem interesse na minha ida à ilha.

* Sorri ao olhar a escama de serpente nas mãos do jovem Arcas.

- Ela sempre nos visita quando mais precisamos. Guarde a revelação e as palavras ditas apenas consigo, são suas por direito, assim como este precioso item.

* Estende a mão, em sua forma hominídea, com um pergaminho selado em mãos.

- Este documento contém o direito de embarcar em um navio cargueiro que partirá em algumas horas, com destino à Bristol. Apresente-a e poderá fazer a travessia.

 O velho mestre olha seu aprendiz com certo saudosismo.

- Há algo mais que eu possa fazer para facilitar sua ida, Bruin?

Então... você a conhece, mestre? Eu não senti maldade nela, mas isso não a deixou menos assustadora. Acho que as palavras dela carregam um peso muito grande...

*Bruin fica parado olhando seu Buri-Jaan e o pergaminho em sua mão, que selava seu destino. O Gallivant, enfim, havia chegado ao fim.*

Parte de mim gostaria de pedir para não ir, Avô. Mas a parte dominante sabe que é a minha missão. A única coisa que lhe peço é sua benção, e a benção do Urso.

* Concorda e coloca a mão sobre o ombro de Bruin.

- A conheço sim, Ombros da Montanha, todos que um dia precisaram, a conhecem.

- Tens minha benção, eterna, assim como terás minha visita de tempos em tempos, afinal, Dentes-do-Abismo é um grande liado, e amigo pessoal. O urso, em especial Mangi, o acompanhará em tua jornada, guiando-lhe sempre que precisar.

* Abaixou as mãos, cruzando-as, como se as controlasse. O velho mestre parecia um pouco nervoso, embora seu semblante se mantivesse calmo e pacífico, como sempre.

- Agora vá, cumpra tua missão e cure a mácula daquelas terras. Carregas contigo a benção da própria Devoradora e do Urso da Morte, além de meus ensinamentos. A ti, muito foi confiado, e não me resta dúvidas de que fora a escolha mais acertada.

* Os ursos despedem-se, os caminhos se separariam, os espíritos jamais.

Seguindo pela trilha, floresta à fora, Bruin passa por pequenos animais da floresta, pássaros e até mesmo pelas imensas árvores, e todos parecem despedir-se, a seu modo, do Gurahl. Após alguns longos minutos de caminhada deixando para trás seu local de nascimento, o jovem urso avista ao longe o vilarejo da floresta negra e após ele o porto, com algumas embarcações e vários humanos carregando e descarregando barris e caixotes, em um fluxo contínuo.

Mesmo à distância, é possível ver um símbolo na vela de um dos navios semelhante ao símbolo no selo que prende o pergaminho que carrega.

O vilarejo fervilha. Pessoas vêm e vão, pequenos casebres e diversos animais, já que a vila é inteiramente agrícola. Um caminho de pedra corta o local ao meio em direção a região portuária. Algumas pessoas vêem o frade e o cumprimentam.

- Olá irmão...

- Que Deus nos abençoe...

- Frade, traga a abenção a nosso pobre vilarejo.

*A estrada seria longa e curiosa, e isso era um fato. Ao chegar na vila, Bruin procura se lembrar de tudo que aprendeu sobre os "pobres irmãos" que o haviam inspirado. Como frade, ele estava em uma situação onde não precisava se desdobrar muito tempo em conversas sobre o Deus cristão. Sabia que essas pessoas simples eram almas sofridas, e uma mera palavra de conforto podia fazer muito pelo seu bem-estar.*

-Salve irmão...

-Deus olha por todos nós, irmão...

-Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. O Senhor mantém seu olhar a cada um de vós, irmãos, e abençoa suas vidas e seu labor.

*O vulto do navio faz o Gurahl parar onde está. Era de fato uma criatura incrível, quase que monstruosa, sem dúvidas uma cria da Criadora da Tapeçaria. Mas era nele que residia sua missão.*

*Andando em seus passos volumosos e inseguros, o jovem frade vai até a direção do colosso de madeira, procurando alguém que pareça ser o responsável.*

* Guiando outros dois homens que carregavam seus suprimentos pessoais, esbarra em um estúpido frade em parece boquiaberto à frente de seu navio.

- Saia de minha frente, gordo, ou por Deus juro que o lançarei ao mar.

* Fumava seu grande cachimbo, fazendo com que a fumaça se erguer-se aos céus. Continuou caminhando.

* Olhou por cima dos ombros, parou e abriu um largo sorriso sinistro. Revelando um dente dourado.

- Navios mudam de mestres como meretrizes de amantes, Frade. E Deus? Seu nome é gritado muitas vezes mais quando o mar se torna nosso senhor.

* Indica com as mãos para que os marujos carregassem seus barris para o interior da embarcação. Se aproximou do homem roliço.

- Vejo que carregas uma permissão de viagem, selada. Sejas bem-vindo à Barracuda, o maior e melhor navio cargueiro que estas águas imundas já viram.

* Indica a prancha para o Frade. Fumando como uma raposa velha, embriagando o ar com o fétido cheiro de sua fumaça. Isso, para o sensível sentido olfativo do Gurahl, era mais que doloroso, era excruciante, mesmo em sua forma hominídea.

* Observa a mão do gordo estendida e gargalha.

- HAHAHAHA! Certamente não espera que eu beije tua mão, Frade, ou esperas? Ande logo, mova essas gordas nádegas em direção ao navio, ou o deixaremos neste fim de mundo junto com esses pobres coitados.

* Vira-se ignorando o tal irmão Bruin e entra no navio passando pela prancha, empurrando alguns viajantes que andavam mais lentamente.

*Ao ver que o capitão consegue ser mais desagradável a cada palavra dita, Bruin apenas sacode a cabeça com pesar, enquanto vê o homem se afastar, com sua grosseria costumeira.*

Ninguém beija a mão de um frade menor, porque somos os mais humildes dentre os humildes; era só um aperto de mão. Que Deus olhe por sua alma, irmão.

*Ombros da Montanha segue pela prancha, que range ameaçadoramente sob seu peso, e entrega o pergaminho para o marujo, com um sorriso.*

-A paz de Cristo, irmão.

* O marujo recebe o pergaminho e sorri ao ver o Frade. Se tratava de um jovem, talvez tivesse seus quatorze anos, a idade de um homem feito para sua época, embora seus traços ainda infantis denotassem a pouca experiência.

Bruin nota as mãos tremulas que pegam o pergaminho.

- Olá senhor, como é bom ter um homem de Deus no Navio...sabe, asfasta o azar. Conhece o azar dos Mares, não conhece, meu senhor? Desculpe, estou nervoso, e falo muito quando estou assim...seja bem-vindo ao Barracuda, o navio de nosso estimado capitão, Louis Le Demont.


* Ele abre o pergaminho e confere.

- Olha que estranho. Já transportamos frades antes e apesar de serem homens simples e puros sempre pegavam os melhores aposentos. Já o senhor está alojado na parte baixa, perto dos animais. Isso é que é ser um servo de Deus! Não é como aqueles padres que bebem mais vinho do que temos em barris...desculpa, falei demais novamente...


- Pode entrar senhor, seu quarto fica descendo as escadas do corredor principal, abaixo da popa. Ah, um conselho...não beba muito hypocrás, o capitão tem a mania de misturar umas especiarias do oriente, fica pesado, gostoso, mas derrubaria leitões com um só gole! Mas não to querendo dizer o que senhor pode ou não fazer...ah, minha língua grande...

* O jovem de cabelos loiros e olhos claros estava visivelmente nervoso, se atrapalhava  a cada frase.